sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Mário Cesariny § 09/08/1923 — 26/11/2006

Mário Cesariny em Tenerife. Fotografia de Perfecto Cuadrado



YOU ARE WELCOME TO ELSINORE

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte    violar-nos    tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas    portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precípicio

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida    há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

in «A Única Real Tradição Viva — Antologia de Poesia Surrealista Portuguesa» (organização de Perfecto E. Cuadrado).




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